Cerca de mil mulheres do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e representantes de outros movimentos sociais e ambientais marcharam em Brasília, na manhã desta quinta-feira (5), contra o o Projeto de Lei 2159/2021, apelidado como “PL da Devastação”. A marcha, que aconteceu no Dia do Meio Ambiente, saiu do Teatro Nacional em direção ao Congresso, onde o projeto aguarda nova votação na Câmara dos Deputados.
Para Elisa Mergulhão, da coordenação nacional do MAB, o PL da Devastação, que flexibiliza as regras para o licenciamento ambiental, é o maior ataque aos direitos ambientais desde a redemocratização. “As leis ambientais são a segurança das comunidades atingidas”, avaliou Mergulhão. “É através das condicionantes do processo de licenciamento que a gente consegue assegurar, com muita luta dos atingidos, algumas mínimas garantias de direitos. Sem isso, você não tem esse mecanismo. As obras vão ser muito mais inseguras, podem acontecer muito mais Marianas e Brumadinhos“, destacou.
Mergulhão também ressaltou a contradição do país em aprovar retrocessos ambientais no momento em que busca protagonismo internacional na agenda climática. “Traz muita preocupação, no momento que o Brasil se propõe a sediar a COP30, sediar, esse espaço principal de discussão da crise climática a nível mundial, apresentar um retrocesso desse que vai fazer aumentar nossas emissões, que vai destruir nossa água, nossa floresta e as populações atingidas”, alertou a coordenadora do MAB.
O “PL da Devastação”, também apelidado de “mãe de todas as boiadas”, foi aprovado pelo Senado no dia 21 de abril, com 54 votos favoráveis e 13 votos contrários. Apenas a bancada do PT encaminhou voto contrário à matéria. Como o texto sofreu alterações no Senado, ele retornou à Câmara dos Deputados para nova análise.

Os manifestantes pressionam para que o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos), não coloque o PL em votação. Caso seja aprovado na Câmara, exigem que o presidente Lula (PT) vete a proposta.
A diretora do Sindicato dos Urbanitários do DF, Fabíola Latino Artesana, destacou que a proposta que flexibiliza o licenciamento ambiental pode atingir toda a população, por meio dos impactos ambientais, e não somente aqueles que vivem nos territórios em que empreendimentos são instalados.
“Aqui no Distrito Federal a gente já sente a diferença do que é o clima seco e o clima úmido, e a tendência é que isso se estrapole. A gente tem os processos de queimadas cada vez mais intensos, menos chuva, mais seca. No final, somos todos atingidos, não são apenas aqueles que perdem as suas terras, mas todos nós brasileiros e brasileiras”, apontou.
Impactos no DF
Além dos impactos nacionais, lideranças locais também alertam para os efeitos diretos do projeto no Distrito Federal. Coordenador do Fórum de Defesa das Águas do DF, Guilherme Jaganu, destacou que a flexibilização das regras ambientais pode agravar problemas já existentes, como a degradação de rios, o avanço da ocupação irregular e a crise no abastecimento de água no DF. “O que está em jogo é a vida e a sobrevivência das pessoas, principalmente das mais vulneráveis”, afirmou.
O projeto de construção da Usina Termelétrica (UTE) de Brasília, que tem uma série de impactos socioeconômicos, está em processo de licenciamento pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). O empreendimento pretende retirar diariamente milhares de litros de água do Rio Melchior, que já se encontra em avançado estado de degradação, para resfriamento da usina. O projeto da Termo Norte também intensificará a emissão de gás carbônico, afetando inclusive a saúde da população, por meio da poluição do ar.
Jaganu citou outros exemplos de áreas do DF que podem ser impactadas pela flexibilização proposta pelo PL da Devastação. “Nós temos a privatização da Flona [Floresta Nacional], que vai criar uma grande dificuldade para as famílias mais pobres frequentarem um lugar que é um parque, a Água Mineral, onde a população mais vulnerável se diverte com a família. Temos um PDOT [Plano Diretor de Ordenamento Territorial] que está avançando na ocupação e na impermeabilização do solo, criando áreas de ocupação onde não deveria, em áreas de proteção ambiental, de manancial”, elencou.
Manifesto contra PL da Devastação
O MAB também elaborou uma carta-manifesto contra o PL da Devastação. Um dos principais argumentos de quem defende o PL 2.159/2021 é de que ele traria mais segurança jurídica, o que é contestado pelo MAB e outros defensores do meio ambiente.
“Especialistas já apontaram que a tendência é que esse projeto, ao invés de trazer segurança jurídica, aumente ainda mais as judicializações, além de trazer perdas econômicas, sociais e ambientais diante do agravamento da crise climática. Nos somamos aos povos indígenas e comunidades tradicionais, que também denunciam o aumento da violência e os graves retrocessos aos direitos territoriais, que estão embutidos nas linhas desse projeto”, aponta trecho da carta.
O manifesto também destaca que a aprovação da proposta pode colocar em risco 18 milhões de hectares na Amazônia, uma área do tamanho do estado do Paraná, “deixando a floresta perigosamente próxima de seu ponto de não retorno”, alterando todo o regime de chuvas no Brasil e na América do Sul. “Ficaremos ainda mais vulneráveis aos eventos extremos ligados à crise climática. Enchentes, secas prolongadas, queimadas incontroláveis, crises hídricas e escassez de alimentos estão no horizonte”, afirma o MAB.

Jornada Nacional de Lutas do MAB
A Marcha contra o PL da Devastação desta quinta-feira (5) fez parte da Jornada Nacional de Lutas do MAB. Desde terça-feira (3), cerca de mil mulheres de comunidades atingidas por barragens, vindas de 20 estados brasileiros, estão reunidas em Brasília para um calendário de mobilizações, que se encerra hoje.
“As mulheres estão na rua para dizer que vamos enfrentar o fascismo que está crescendo no mundo todo e também no Brasil. As mulheres são as maiores vítimas desse processo de ascensão da extrema direita, de retirada dos direitos, que vem desse o desmonte do Estado, característico do neoliberalismo. E ao mesmo tempo que são as principais vítimas, também é quem está na linha de frente, organizando as comunidades, se colocando na luta e não abaixando a cabeça, mesmo diante das criminalizações que temos sofrido”, destacou Elisa Mergulhão.