Ouça a Rádio BdF
Crônicas para você ler num domingo preguiçoso, enfadonho, cheio de ressaca, até na praia, no açude, no rio, na mesa de bar, na rede da vó, sentado ...

Direito de morrer: como agir quando a vida se deteriora?

Para alguém como Cícero, sem dúvidas, viver sem lembrar de sua própria essência seria intolerável

Por Joel Martins Cavalcante*

Hoje é domingo, dia de segundo turno em todo o Brasil. Aqui na Paraíba, os eleitores de João Pessoa e Campina Grande terão a opção de escolher o próximo prefeito. Há quem esteja nas ruas, indo às urnas, e há quem prefira se recolher em casa, buscando sossego, ou mesmo há quem viajou preferindo curtir a vida a ter que votar. No entanto, quero fugir do tema eleições. Desejo refletir sobre a morte – e, por consequência, sobre a vida, pois não há como separar uma da outra.

Na última quarta-feira (23), o poeta Antonio Cícero partiu deste mundo, deixando uma carta de despedida para amigos próximos. Diagnosticado com Alzheimer, ele escolheu a morte assistida em uma clínica na Suíça. A decisão de Cícero nos leva a ponderar sobre algo interessante e pouco falado: o direito de morrer dignamente, sobretudo quando se enfrenta uma doença que nos tira, pouco a pouco, o que temos de mais precioso – a consciência de quem somos.

: Poeta e letrista Antonio Cícero morre na Suíça, aos 79 anos :

Imagine um artista, um intelectual, alguém cuja ferramenta de trabalho é a imaginação e a memória, sendo acometido por esse apagamento gradual.

O Alzheimer é, talvez, uma das enfermidades mais cruéis para quem vive de criar, de pensar, de mergulhar na própria mente. Imagine um artista, um intelectual, alguém cuja ferramenta de trabalho é a imaginação e a memória, sendo acometido por esse apagamento gradual. A vida começa a se esfarelar, onde rostos, palavras e lembranças vão se esvaindo. Para alguém como Cícero, sem dúvidas, viver sem lembrar de sua própria essência seria intolerável. Na carta ele diz: “… minha vida se tornou inável.” Mais adiante ressalta que “não consigo mais escrever bons poemas nem bons ensaios de filosofia. Não consigo me concentrar nem mesmo para ler, que era a coisa de que eu mais gostava no mundo.”

No Brasil, a legislação encara a vida como um direito inalienável, o que impede a eutanásia e a morte assistida. Porém, em circunstâncias de guerra, nossa Constituição ite a possibilidade da pena de morte. Ou seja, podemos tirar uma vida em nome do Estado, mas é proibido entregar voluntariamente a própria existência, ainda que em nome da dignidade.

Temos o direito de tirar nossa própria vida? Alguns dizem, amparados por suas convicções religiosas, que não; a vida, acreditam, é sagrada. E eu acredito nessa sacralidade da nossa existência. Talvez pela forte experiência cristã que chega a “endeusar” o sofrimento,  o suicídio, a eutanásia, a morte assistida (não quero entrar nas diferenças entre os conceitos) sejam vistas como algo abominável, como diz Kardec, a terra é um mundo de provas e expiações. Existe até um vale dos suicidas para receber essas almas que vão sofrer um tempão pela opção feita!

Cícero escolheu manter-se lúcido até o último segundo de vida. Ele não pensa no mundo espiritual; na carta diz ser ateu desde a adolescência. A morte, longe de ser um fim sombrio (tem muita gente que nem ite falar a respeito), é também parte da vida – e talvez deva ser encarada como um direito, quando essa escolha seja consciente (sem problemas depressivos, por exemplo) e esteja relacionada à dignidade.

*Joel Martins Cavalcante é professor de História da rede estadual de ensino da Paraíba, membro da diretoria do SINTEP-PB e CUT-PB e militante dos Direitos Humanos e do Movimento Brasil Popular.

**A opinião contida neste texto não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato Paraíba.

Apoie a comunicação popular, contribua com a Redação Paula Oliveira Adissi do jornal Brasil de Fato PB
Dados Bancários
Banco do Brasil – Agência: 1619-5 / Conta: 61082-8
Nome: ASSOC DE COOP EDUC POP PB
Chave Pix – 40705206000131 (CNPJ)

BdF Newsletter
Escolha as listas que deseja *
BdF Editorial: Resumo semanal de notícias com viés editorial.
Ponto: Análises do Instituto Front, toda sexta.
WHIB: Notícias do Brasil em inglês, com visão popular.

Veja mais