Nesta quinta-feira (5) completam-se três anos que o indigenista Bruno Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips foram executados em Atalaia do Norte (AM), na região da Terra Indígena (TI) Vale do Javari, onde vive o maior número de indígenas em isolamento voluntário e de recente contato do mundo.
O documentário A Invenção do Outro registra uma das mais desafiadoras expedições da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) na TI Vale do Javari em 2019, que teve Bruno à frente. O filme documenta o raro contato com um grupo da etnia Korubo, ameaçado de extinção devido a conflitos históricos com o povo Matis, agravados pela interferência externa de não indígenas.
Em entrevista ao Conversa Bem Viver desta quinta-feira (5), o cineasta Bruno Jorge apresenta os bastidores do longa finalizado em 2022, mas que não estreou no circuito comercial devido a um embargo judicial. “Eu fiquei durante três anos e meio montando o filme, mostrei para ele antes dele fazer a última viagem”, conta Jorge. “Bruno se emocionou.”
O cineasta revela que o plano era fazer um novo filme, dessa vez sobre o projeto do indigenista na TI do Javari, que consistia em um treinamento de segurança para indígenas. O crime, ainda sem solução final na Justiça, impediu que a ideia fosse concretizada.
“A ideia era que eu voltasse em setembro com ele [para a TI Vale do Javari] e sairia o Dom, eu iria no lugar do Dom. Iríamos nós dois e eu ficaria durante 45 dias com esse grupo, com que ele faria esse treinamento de segurança.”
Premiado no Festival de Brasília como melhor filme, fotografia, montagem, edição e som, A Invenção do Outro nunca chegou ao circuito comercial de cinema por uma determinação judicial movida pela Funai. O órgão argumenta que o documentário não poderia ser exibido sem o consentimento dos povos indígenas que são retratados.
“É uma contradição muito forte e parece que foi só comigo. Estou até agora tentando entender”, diz o cineasta, codiretor de Piripkura (2018), filme que documenta dois indígenas isolados e prescindiu de autorização de imagem para ser lançado.
Confira a entrevista abaixo.
Qual era o teor dessa expedição e por que ela era tão importante a ponto do Bruno te chamar para acompanhar e fazer esse registro único?
A Funai tem uma política de não contato com os povos que eles consideram isolados ou de recém contato. A ideia é se manter afastado o máximo que puder e ao mesmo tempo protegê-los dentro de uma área delimitada. Nesse caso específico, criou-se um conhecimento suficiente para chegar à conclusão de que era necessário fazer um primeiro contato com um grupo de Korubos, uma etnia guerreira, um grupo de mais ou menos 30 pessoas, que por vários motivos ali, corria risco de genocídio, inclusive do grupo inteiro. Eles tinham uma briga ética histórica com outra etnia, chamada Matis.
Esses Matis estavam voltando para a terra indígena, já com vírus e espingardas, e estavam, enfim, terminando de executá-los. Eles não sabiam que esses Matis eram índios, porque eles aram a usar camiseta, roupa, então eles precisavam, na verdade, criar uma apaziguamento entre as etnias, explicar que os Matis não eram brancos, tinham uma série de questões antropológicas ali importantes, vaciná-los, sobretudo.
O principal é que parte desse grupo, anos antes, foi contatado pela Funai, justamente como consequência de uma dessas batalhas históricas com os Matisse. Um pedaço do grupo se separou, foi ado, e vivia afastado desde então do primeiro grupo deles, dos familiares, durante muitos anos sem saber se estavam vivos. E aí a expedição tinha uma função humanitária, que era tentar promover o reencontro entre os irmãos, os familiares e os que ficaram na floresta.
Essa expedição tem o apoio da Funai para fazer contato com duas etnias indígenas, o que pode parecer uma interferência em um conflito “natural”. Mas, por trás, tem uma influência branca que eleva esse nível de violência a ponto de quase uma extinção de uma etnia indígena. A gente precisa entender a situação com essa perspectiva?
Sim. Essa briga histórica que antes acontecia na floresta, de uma forma quase primitiva, nativa, ou a ser desigual no momento em que esse grupo de Matis, que era de recente contato, ou a frequentar as cidades, e volta para a floresta com vírus, com espingarda, com uma série de coisas, e isso como consequência, o que era antes uma guerra mais ou menos igual dentro da história das etnias, a a ser uma dizimação, então, no fundo, esse caso específico era sobre isso.
Essa expedição foi uma vontade do Bruno?
Isso. Ele era coordenador do departamento de índios de recente contato na época. Inclusive, ele me chamou e durante alguns meses essa expedição foi planejada e, se eu não me engano, durante alguns anos ela foi articulada politicamente justamente porque ela é controversa, tem uma série de questões, enfim, delicadas, que geram grandes imes, inclusive filosóficos.
ou, se não me engano, por dois governos, pela Dilma [Rousseff], pelo [Michel] Temer essa ideia, e acabou se consolidando no governo anterior [de Jair Bolsonaro]. E aí ele conseguiu, como alguns meses de preparação, fazer a expedição, que era, talvez, a mais importante daquelas últimas décadas sobre primeiro contato.
O Bruno era um indigenista diferenciado?
Ele era realmente alguém apaixonado, que dava sentido ao que fazia ali, no tratamento com os indígenas. Tanto que naquela época que ele estava na expedição, ele já não era mais de campo. Quando ele foi fazer a expedição, já estava em Brasília, num cargo de coordenação, e lamentava muito.
Então, fazer aquela expedição para ele era uma forma de retornar ao campo. Ao longo da expedição, lembro dele falando: “Nossa, não tô acreditando que eu tô aqui, que incrível, né? Que lugar! Tô de volta”. Acho que ele tinha uma relação mais complexa e subjetiva com a floresta
Como foi esse contato do Bruno contigo, porque ele chamou você?
Era uma época do governo Bolsonaro e quem estava, talvez o último órgão que não tinha sido tomado pelo governo era o departamento de índios isolados e de recente contato. O restante já eram generais e o pessoal ligado à bancada evangélica.
E começou aquela política não indigenista, quer dizer, invertida da Funai. E esse era o último departamento intocável naquele momento. Então era como se fosse uma resistência dentro da própria Funai. E aí, pra que eu fizesse esse filme, não teria como ar pelo alto escalão, na presidência, porque lá já era um general. Então, dentro do departamento, se fez um consenso de que me contrataria como colaborador para fazer imagens como um pretexto para que eu entrasse no grupo e fizesse o filme.
Na época ele já relatava medo de ser exonerado do cargo ou até de ser perseguido?
A exoneração era uma questão de tempo. Quando ele me chamou, ele já virou uma ampulheta e disse “vou ser [exonerado] em algum momento porque não tem o que fazer, estão desmontando toda a Funai e vai chegar aqui, a gente está só adiando e tentando montar uma resistência fora”.
E foi o que eles fizeram, as ONGs e tal, uma resistência contra o próprio governo. Então, quando ele estava na Funai, ele tinha consciência de que isso ia acontecer.
Mas à parte disso, ele tinha um alvo nas costas. Ele foi um cara que lutou contra invasores de terra indígena durante muito tempo, então ele era marcado por muita gente dentre esses criminosos.
Ele é exonerado da Funai quando se tem o segundo grande sucesso dele naquele ano. O primeiro foi essa expedição dos Korubos. O segundo foi, justamente, quando ele foi explorar garimpo no Pará e foi um sucesso. Isso aí incomodou muito o governo e ele é exonerado naquele momento. A partir daí é que ele monta um grupo de resistência fora, enfim, com algumas ONGs para poder garantir segurança dos indígenas, treinar os próprios indígenas.
Ele chegou a te convidar nesse processo pós-exoneração para fazer mais algum trabalho documental? Vocês estavam construindo alguma parceria?
Sim, a gente estava ficando muito próximo naquele tempo, era muito turbulento, era pandemia também, então era confuso tudo. E eu fiquei durante três anos e meio montando o filme, mostrei para ele antes dele fazer a última viagem. Ele se emocionou.
A gente tinha um plano de fazer um filme justamente sobre isso que eu mencionei agora. O Dom [Philips] era meu amigo havia mais tempo do que o Bruno, por coincidência. Nessa viagem que ele foi com o Dom, eles estavam conseguindo fazer um trabalho de segurança daquela região, que é treinar uma série de grupos de recente contato para se protegerem, porque, a partir dali, a Funai não ia fazer mais isso, então eles tinham que proteger eles mesmos contra os invasores de terra. Ali era muito pescador, traficante…
A gente estava em contato durante a viagem inteira. Ele tinha um rádio satelital, a gente conversou praticamente todos os dias ali e até o último dia dele sair para a última viagem dele. Ele foi, dentre outras coisas, negociar com o grupo de Korubos, do Alto Curuçá, para que a gente fizesse um filme dois, três meses depois.
A ideia é que eu voltasse em setembro com ele e sairia o Dom, eu iria no lugar do Dom.
Iríamos nós dois e eu ficaria durante 45 dias com esse grupo, com que ele faria esse treinamento de segurança.
Premiado no Festival de Brasília como melhor filme, fotografia, montagem, edição e som, o longa nunca chegou às salas comerciais por uma determinação judicial movida pela Funai, segundo a qual o documentário não poderia ser exibido sem o consentimento dos povos indígenas que são retratados. O que foi esse processo?
É um grande ime: como você vai pedir autorização de imagem para um grupo que não tem a menor noção do que é uma imagem reprodutível? Para que fosse dada qualquer espécie de anuência, seria necessário aculturá-los completamente. Então, é um valor que é nosso, é uma implicação do nosso valor neles.
Não existe essa possibilidade, senão não existiria historicamente nenhuma imagem de indígena isolado, porque não existe possibilidade de eles darem anuência sobre isso.
Tanto que todos os filmes de primeiro contato na história nunca tiveram. Inclusive, no filme Piripkura, que eu fiz, filmei dois indígenas de recente de contato, com a Funai, e é autorizado, tudo certo, sem autorização deles [dos indígenas], porque não tem como, a autorização é inviável. E o filme circulou, fez tudo que tinha que fazer.
E aí foi a primeira vez na história, depois de cinco anos, que a Funai me chamou para fazer o filme, que autorizou as imagens, autorizou num relatório oficial, enfim, tudo certo. Cinco anos depois eles entraram com processo, quando virou o governo. Tinha alguma articulação política que eu não consegui entender. Durante um ano, não quiseram me receber e depois suspenderam o filme dizendo que precisava da autorização.
É uma contradição muito forte e parece que foi só comigo. Estou até agora tentando entender. Agora está na Justiça, está suspenso e o filme está na Justiça, os advogados estão trabalhando para tentar revogar essa suspensão de alguma forma.
A Beatriz Matos, a viúva do Bruno Pereira, está dentro do governo federal, dentro do Ministério dos Povos Indígenas, como diretora de departamento de proteção territorial dos povos indígenas isolados e de recém contato, justamente tocando, digamos assim, esse legado do Bruno. Ela tem sido uma aliada nesse sentido?
Ao contrário, na verdade, ela foi uma das pessoas que articulou pra que o filme pudesse ser suspenso. Então ela, que é junto com o Bruno, uma das fundadoras da Opi, que é uma das ONGs de resistência na época do governo Bolsonaro e na Funai. Esse grupo que foi pro governo, que foi muito, por conta da sua influência, foi esse grupo que não quis me receber durante um ano. E era tudo muito curioso, porque o Bruno falava “vamos ficar tranquilos”, porque assim que virar o governo, vai assumir o pessoal todo aqui, e aí com relação ao filme vai ficar muito mais fácil. E foi exatamente ao contrário, foi esse grupo que articulou para que o filme fosse suspenso.
Tu acredita que no futuro breve a gente vai ter o Bruno Pereira no mesmo status que a gente considera hoje Chico Mendes e Dorothy Stang?
Acho possível, a mídia consegue fazer esse tipo de coisa. Eu consigo, eu talvez tenha uma relação com ele um pouco mais banal, no sentido da intimidade, da relação pessoal. Então consigo ver menos o mito, mas eu acho possível que seja construído sim esse mito. Espero que isso não seja desfavorável a ele e a experiência de ter estado com ele de verdade.

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